sábado, 12 de setembro de 2015

Devemos falar sobre os produtores informais da cachaça artesanal?
por Felipe Jannuzzi

A produção de cachaça informal movimenta um mercado milionário e abastece as prateleiras de todo o Brasil. Entenda mais sobre o papel dos produtores da chamada cachaça artesanal informal.

Para muitas famílias, geralmente localizadas nas regiões mais pobres do Brasil, produzir cachaça artesanal tem a mesma importância de se plantar um pé de feijão: é uma questão de subsistência.

De maneira informal, sem qualquer registro do Ministério da Agricultura ou conhecimento técnico, esses produtores não destilam pela arte ou por amor ao ofício. Nestes lugares, cachaça é uma cultura de produção que complementa a renda familiar.

Grande parte das bebidas informais não é feita com o compromisso de agradar paladares. O consumidor que passa pelo alambique e leva a sua PET cheia de pinga não compra pra degustar – o que se espera é apenas os efeitos do álcool. Não existe a alquimia de um produtor que escolhe a cana a dedo, que cultiva a sua levedura com cuidado ou inventa um blend de madeiras nobres. Por essa falta de compromisso, apesar de muitas vezes serem perfumadas ou até saborosas, as cachaças informais possuem elementos indesejáveis e perigosos como o metanol e o cobre.

Mas mesmo assim, nas minhas próximas viagens quero colocar um ou outro alambique informal no meu roteiro de visitas.

No Brasil são registradas mais de 4 mil marcas de cachaça de alambique – número bastante expressivo. Mas se formos considerar as cachaças de alambiques informais podemos multiplicar esse número por 10 (uma estimativa feita pelo mercado, não conheço uma fonte que se propôs a investigar o número de fato – tá aí uma ideia). Mas a realidade é que em algumas cidades do norte de Minas, por exemplo, são encontrados centenas de produtores fazendo 5-10 mil litros de cachaça por ano no quintal de casa. Esse cenário se repete em muitos outros estados brasileiros.

O motivo para existirem tantos produtores informais é simples: cachaça barata vende. O pequeno produtor familiar tem seu preço condicionado pela grande indústria de cachaça que paga de R$1 a R$2 pelo litro de pinga produzido. Um desses produtores da cachaça curraleira (como também pode ser chamada essa pinga) me disse que o preço depende muito da safra e que muitas vezes são reféns dos valores impostos pela indústria.

No final da produção caminhões passam por essas pequenas cidades e se abastecem com centenas de milhares de litros de pinga que depois serão padronizados ou até mesmo redestilados em alambiques formais. Pelo preço barato da cachaça comprada de terceiros, a indústria consegue colocar no mercado uma cachaça formal com preços muito competitivos. Em muitas dessas empresas a cachaça comprada chega a representar até 60% da produção.

Partindo de fontes informais a cachaça se espalha por todo o Brasil com rótulos, selos de conformidade e algumas até premiadas por quem mais condena a pinga curraleira.

Deixar de falar desses caras ou apenas destacar seus pontos negativos é excluir toda uma economia da cachaça, que possui mais trabalhadores do que a indústria automotiva nacional. Com o mercado desinformado quem sai perdendo é principalmente o pequeno produtor formalizado de cachaça artesanal – que não consegue justificar para o consumidor o valor agregado ao seu produto.

Para quem quer entender sobre o cenário de produção de cachaça no Brasil é fundamental olhar para os informais. São eles os responsáveis pelo abastecimento de muitas prateleiras. Torcer o nariz e condenar o pequeno produtor ilegal é uma grande hipocrisia, afinal a cachaça com registro que você tomou no bar pode ter sido destilada no curral de algum produtor da cachaça artesanal informal.

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